Os toureiros não se comparam. Se se comparassem diria da noite de ontem no Campo Pequeno, que o Moura Caetano teve a melhor cravagem em ambos touros que lhe couberam em sorte; Diria que Rouxinol esteve muito por cima dos seus touros, em especial no último; diria que Pablo tem cavalos espectaculares e é a primeira figura mundial do rejoneio.
Mas os toureiros não se comparam. Precisamente porque hã sempre um que tem algo que nos encanta mais do que o outro tem. Seja isso o que for. Não se comparam porque o toureio é arte e , em arte, não há um certo ou um errado, nem sequer um melhor ou um pior. Há regras, há. Mas são regras maleáveis e que os génios têm contornado ao longo dos tempos, ou não haveria evolução. Falamos da arte da emoção. Portanto, as regras adaptam-se na nossa estética ao prazer que retiramos de ver a obra de arte a desenrolar-se durante a lide.
O Pablo tem seguidores que não lhe corrigiriam ferro nenhum. Eu não o faria, mas também vi o mesmo que esses fãs, que encheram a última do abono lisboeta, ou seja, um génio equitador com cavalos magníficos, que nesta nocturna deu três voltas por levar os seus António Charrua nas sedas, ladeando e passando entre tábuas. Tal como fez Rouxinol e também fez Moura Caetano, que, aliás, teve uma coreografia nos seus dois hastados muito semelhante à de Pablo, e cravou com brio e rigor.
Se tivesse de escolher um triunfador desta boa noite de Festa Brava, não seria por comparação, embora essa escolha obrigue a comparar. Poderia acatar as três voltas de Pablo ou de Caetano para critério de triunfo. Para mim essa escolha teria de recair num dos portugueses, pois ambos puxaram dos seus galões da forma que os touros lhes permitiram para ficarem por cima do cabeça de cartaz.
Houve grandes momentos de todos e foi um fecho com chave de ouro para um Campo Pequeno que teimava em não encher nas corridas anteriores, porém, se temos mesmo de dizer o que foi mais emocionante, tenho de dizer que o melhor de tudo foi ver três muito criticados grupos de forcados, a quem ouvi mesmo chamar de ´pegadores´, deixarem duas pegas de emoção. Os touros não eram difíceis, mas os grupos eram mais inexperientes – e por isso criticados como escolha para a primeira praça do País – e o grupo que teve a sua adesão muito recente na Associação, foi o que levou o prémio para melhor pega, sendo júris os próprios cabos de Arronches, Monforte e Académicos de Coimbra. João Tavares efectuou a última e vencedora pega da noite, mas antes disso já se jurava no Campo Pequeno que seria o seu companheiro de grupo, Francisco Gonçalves a arrecadar esse troféu, com a sua pega também com muita garra e ao primeiro intento.
Os touros de António Charrua serviram bem o toureio da noite, mas não se justificava a volta ao ganadero no primeiro oponente de Pablo, nem no final da corrida. Dois touros foram recolhidos (o primeiro de Pablo e o segundo de Rouxinol) por lesões nas mãos, derivadas da fraqueza destes membros que aparentou transversalmente o curro. Não compreendo a facilidade com que os directores de corrida dão voltas na capital do toureio a cavalo, o critério parece ser o da necessidade de haver triunfos na praça e não o de reconhecer um trabalho acima do esperado ou desejado, no que toca aos touros, parecem esquecer que os touros que são simplesmente touros, em vez de bravos extraordinários, não precisam desse reconhecimento.
Sílvia Del Quema Vinhas