Natal é tempo de cinema, sobretudo para os mais novos, e se o nome Ferdinando não lhe diz nada é porque não tem menos de 15 anos por perto. O primeiro impacto do trailer é: “ora aqui vem um filme a denegrir a imagem da tauromaquia”.
A história que nos é apresentada nos diferentes teasers do filme é a de um touro que se recusa lutar, o que classificaríamos como um manso. No entanto, obviamente que se torna o herói, sendo-nos apresentado um toureiro arrogante e vaidoso que o vai escolher, apesar de tudo para o lidar. Sendo que na praça o touro mantém a sua postura de Gandhi e recusa a luta até ao fim. Fim esse que não é na espada, mas antes na rendição do Matador à fofura do touro.
Para quem tem uma criança de sete anos, que adora touros, é difícil evitar por muito tempo ir ver este filme. Assim sendo, lá fui eu. Temendo a confusão na cabeça do meu filho… Contudo, o filme é menos mau para a tauromaquia do que pensei.
O touro, que conhecemos ainda em bezerro, recusa-se desde sempre a lutar, enquanto os seus irmãos e primos lutam todos entre si, treinando para o grande dia em que irão a uma praça. As ideias erradas transmitidas sobre a criação e a vida de um touro na ganadaria, são imensas. Desde colocar os touros em boxes como cavalos, passando por treinos para o dia em que vão tourear… Mas tudo isso pode ser ignorado em prol do argumento cinematográfico.
O momento em que o pai do Ferdinando se despede dele para ir para a praça de touros, feliz por o fazer pois será o seu grande momento, é que é traumático. É quando se começa a insinuar a morte do touro, após um engano de que vão para o grande momento das suas vidas.
Ferdinando acaba por fugir da ganadaria, após saber que o seu pai “perdeu” na lide. E é adoptado por uma menina, crescendo feliz no meio de um campo de flores. Até ao dia em que tem de voltar à ganadaria, por estar demasiado grande e gerar uma ocorrência complicada na cidade perto de casa.
De regresso à ganadaria, já está bem crescido e os seus amigos do antigamente também. Todos prontos para lutar, menos ele. Que insiste na ideia de não combater. Ideia essa que, vem a saber, o conduz ao matadouro. E é aqui que as coisas azedam para quem gosta de touros – do ponto de vista da Festa Brava – pois percebe-se que estamos a transmitir a crianças a ideia de que os touros são criados por gente má, lidados por gente ainda mais má e sem ninguém que os salve porque ninguém percebe que eles são, intrinsecamente, bons.
Felizmente, a figura do toureiro é aligeirada durante a lide de Ferdinando, mas a rendição de toda a praça ao bonzinho ‘ghandiesco’ Ferdinando só não cria um registo anti-tauromáquico às crianças que convivam com o mundo real do touro.
Aliás, toda a humanização dos animais no filme – tal como em tantos outros – cria uma empatia desnatural com os mesmos, pois retira-os da realidade deles para a realidade das pessoas, como se não partilhássemos todos o mesmo mundo, cada um de nós, pessoa ou animal, tendo o seu lugar nesse mundo.
O meu filho adorou ver o filme, continua aficionado, mas é um menino informado e realista. Contudo, para mostrar bem o perigo de a sociedade continuar – há tantos anos – a aprovar filmes em que os animais são humanizados, o meu filho não entendia que os leões comiam zebras, porque no Rei Leão eles defendem as zebras. Assim, no outro dia, perguntava-me o que comem os leões, quando eu não respondi saladas ficou espantado e questionou-me imenso… A sociedade de hoje está edificada na geraão Disney, da qual faço parte, e lembro-me de ver o Bambi e achar que o caçador era um monstro e por aí achar que o meu tio era um monstro, sem sequer entender que a caça respeita o ecossistema e a mãe do Bambi só poderia ter sido morta por um ilegal. Este tipo de história, narrada com suporte visual, tem um poder gigante na mente humana, na mente infantil tem o poder de mudar o mundo. Neste caso para pior, do meu ponto de vista, que é campero.
Sílvia Del Quema