Escrever sobre touros é difícil porque a exigência do público é que indiquemos um triunfador.
Mas há tardes assim: não há, no meu sentido estético-taurino, um triunfo em Santarém. Se houve momentos melhores de um dos cavaleiros, houve. Podemos sempre contabilizar ferros bons em cada e lide e, no fim do dia, a matemática determina a vitória.
Só que o toureio é arte, não é uma ciência exacta. E se num quadro podemos ter cem imagens e um pormenor extraordinário entre elas ressaltar aos nossos olhos, a outra pessoa pode ser o todo ou outro pormenor ou vários.
A estética pertence ao íntimo de cada um, a exactidão da cravagem não deve ser o único critério. A arte envolve o touro, o cavaleiro e o próprio cavalo, tal como nas pegas envolve o forcado e o touro e os ajudas.
Por estas ordens. Então, na abertura da ‘praça maior’, o triunfo foi de Joaquim Grave, pelo grupo de Santarém, na terceira pega da tarde, com a preciosa ajuda do José Fialho, bem como de um oito bem entrosado. Foi o momento da tarde, foi a arte maior desta corrida. Verdade seja dita, os touros foram retraídos e não ajuda estar numa arena da dimensão da Celestino Graça, mas nos três Joões da tarde (Moura Júnior, Ribeiro Telles e Salgueiro da Costa), houve os chamados apuntes em todas as lides, e na pega de Martim Cosme, do Aposento da Moita, que foi também de grande brilhantismo e emoção, mas lá está a questão: arte não é a soma das boas cravagens.
Arte é a reunião da qualidade da pincelada com a transmissão da tinta, sendo o pincel o cavalo e o pintor o cavaleiro, então a cor vem do touro. Este todo não esteve reunido nesta tarde da capital ribatejana, a não ser na reunião de Grave com o seu touro, que saiu com pata para um encontro de oponentes impactante e exacto no que a regras toca.
O quadro ficou pronto para ser o triunfo da tarde no terceiro touro, apesar da segunda parte da corrida ter sido francamente melhor: Realçando o risco tomado e a cravagem bem conseguida por Moura no seu segundo (muito bem apresentado mas a descair para tábuas) touro.
Destacando o trabalho do cavaleiro da Torrinha, que conseguiu ligar melhor o ritmo com este segundo oponente com ferros de praça a praça elegantes.
Sublinhando a arte dinástica do ginete da Valada, que teve a bandeira da Ucrânia no seu primeiro comprido, mostrou a garra em cites clássicos de grande charme.
Nunca podemos esquecer que “todo o touro tem uma lide”, contando que não seja manso. Esta máxima tem toda a verdade do toureio, e já vários quiseram e conseguiram prová-lo em praça, sendo o feito de Morante nesse sentido, na temporada passada, o mais recente.
Mas nem todos os toureiros têm lide para qualquer touro.
Silvia Vinhas