Um toureiro querido, o grupo da terra para pegar e seis ganadarias encerram a temporada na centenária e exigente praça de toiros Palha Blanco, em Vila Franca de Xira.
Esta era sem dúvida uma corrida promissora, desde logo pela curiosidade de ver o António “encerrar-se” com seis toiros, passando pela índole emocional da presença da Dinastia Ribeiro Telles em praça, não esquecendo actuação em solitário dos pupilos de Ricardo Castelo e culminando num expectante desafio entre seis ganadarias.
Vários foram os momentos altos, embora mereça destaque a presença de Mestre David Ribeiro Telles, o padrinho de honra desta cerimónia comemorativa de três décadas de alternativa de seu filho António. O patriarca dos Telles, o mestre, o pai, o avô, o toureiro, o padrinho… tantas faculdades concentradas num só homem que merece a consideração de todos por ser quem é, como é, pelo que sabe, pelo que ensina, pelo que representa na sua família, na sua terra e na tauromaquia.
E porque a noite era de comemoração, António Ribeiro Telles recebe das mãos do ilustre ganadero Fernando Palha uma bonita peça alusiva aos seus 30 anos de alternativa, gesto selado com um bonito fado a anteceder as cortesias.
De facto, a noite foi emocionante e taurina, causadora de sensações fortes.
António Ribeiro Telles, era ele a figura da noite, aos 50 anos de idade, aos 30 de alternativa e no final de uma temporada bem preenchida, este cavaleiro lidou com a mesma entrega e destreza cada um de seis toiros. Entrou só nas cortesias, onde apenas quatro ferraduras iam assinando a arena primorosamente cuidada.
O gesto da noite, António recebe de seu pai o comprido de saída, naturalmente…uma ovação.
Deu inicio a esta corrida de toiros um Victorino Martin, salgado a pesar 495kg. Bonito de hechuras este cinqueño esteve ligado nos compridos, onde o cavaleiro andou na dimensão certa do seu valor. A entrar na sorte de bandarilhas o toiro vem a menos, e dá sinais de se desligar faltando na hora de investir, ainda assim, o cavaleiro deixa dois curtos correctos e com a banda a quebrar o silencio que se fazia sentir António entra na brega e pelo corredor crava um terceiro vistoso. Termina a primeira lide com um ferro a citar de largo, em reunião aberta mas a deixar sem reprimendas.
Para a segunda lide, brindada ao empresário Ricardo Levesinho, saiu em sorteio um Grave. O Honrado, que fez jus ao nome e cumpriu muito bem. Este preto de 460kg, perseguiu, humilhou, investiu sempre pelo seu caminho, e o cavaleiro da Torrinha soube entendê-lo bem. Nos compridos, há que destacar o terceiro com um cite de praça a praça dando primazia ao oponente que em rápida resposta investiu permitindo um ferro vistoso.
Nas bandarilhas António apostou em bregas harmoniosas com sentido lidador, com o toiro sempre nos médios atento ao cavaleiro e ligado à montada, executou a reunião e a cravagem nos tempos correctos, o que proporcionou uma bonita série de ferros curtos.
O terceiro toiro da noite era da casa, um David Ribeiro Telles com o nº 25 e 480kg. Um preto, bragado e meano de barbela larga e curto de pescoço entrou vibrante a passar no capote do António, o primeiro sobrinho a entrar em praça. A abrir o toiro o cavaleiro deixou dois compridos à tira, a rematar com proximidade para ligar cavalo e toiro.
Esta lide tinha “brinde” e na sequência da troca de montada para entrar nos curtos, António pede a Pedro Reinhard o antigo forcado vilafranquense que dirigia a corrida, autorização para Manuel Telles Bastos partilhar consigo esta lide. Ainda que por curtos instantes, assistimos ao expoente máximo do classicismo taurino, brilhante. Três sortes desenhadas a duo, com o Manuel em abordagens frontais e a entrar ao pitón contrário, e seu tio a optar pelas sortes à tira igualmente alegres e a chegarem com muito calor às bancadas. Não posso deixar de referir a carga emocional que trouxe a esta lide o lindíssimo pasodoble “Helena Pastor”.
Festa é festa e nem o intervalo passou em branco, mais um fadinho para animar e dedicar ao Telles da noite.
A segunda parte abriu com um Vale Sorraia, salgado, meano corrido, com 510kg que saiu lesionado. Avançou então o Pinto Barreiros, um castanho listão, bem rematado, composto e a pesar 485kg. O toureiro a entrar com tudo, põe o primeiro comprido em terrenos de dentro. Com o toiro colocado nos médios, deixa ainda mais dois ferros compridos sacando investida e a reunir correctamente. Nova montada, e nova companhia desta feita outro sobrinho, claro está João Ribeiro Telles Jr. Lidaram a duo um toiro bonito de cara e de murrilho pronunciado, que deu abertura ao toureio alegre do “Ginja”, um toureio de verdade, em terrenos de compromisso, com batidas carregadas ao pitón contrário e a cravar de alto a baixo em bom estilo. Também o seu tio optou por três sortes de bandarilhas frontais, a viajar recto para cravar ao estribo.
Ao final de cada lide fomos assistindo ao fantástico trabalho dos campinos, o “Janica” e o “Café”, na recolha dos toiro. Também eles foram merecedores de uma ovação numa volta à praça.
A ganadaria da divisa azul e branca havia de voltar à praça, desta vez com o sobrero. Mais um bonito salgado de 505kg de peso que se prestou a uma lide iniciada com dois compridos a dobrar pelo pitón de fora. O cortês desta cerimónia, ajusta a sua montada para entrar nos curtos e inicia com uma brega esforçada perante este zarco, bragado corrido que vinha a menos e dava nota de estar pouco interessado. Ainda assim, o maestro decide-se por sortes frontais a pisar terrenos de compromisso arrancando a investida e reunindo ao estribo para uma cravagem com valor, respeitando todos os tempos da sorte e não descurando os remates que foram ainda assim ligando este Vale Sorraia à montada.
O último toiro da noite, viria da Herdade da Pina, um Passanha preto a pesar 515kg. Esteve valente o António a receber um toiro com muita pata, oferecendo-lhe a garupa primeiro e recortando-o de seguida para o parar. Cravou dois compridos à tira bem calculados, que abriram o cornalão da divisa encarnada e azul, que trazia prontidão na investida. Troca a montada para uma série de cinco curtos, em que o murube de perfil recto e focinho adiantado, cumpriu muito bem. Sortes vistosas a citar de largo e a aguentar, avançando para reuniões cingidas com uma cravagem de valor. Foi assim, que este Grande Cavaleiro fechou a sua noite de festa, com uma lide alegre, harmoniosa e com verdade.
A última recolha deu direito a picaria, sem dúvida que estes campinos nasceram para isto. Muitos aplausos receberam eles….
Os briosos moços do forcado dos GFA de Vila Franca de Xira, tinham pela frente seis pegas e um público rigoroso. Enquanto líder, Ricardo Castelo, foi avaliando as condições e comportamento dos toiros, para enfim indicar os homens que saltariam a trincheira.
Abriu praça o cabo, que num silêncio profundo, coisa rara, citou, deu-lhe distâncias, recuou alegrando, e recebeu um toiro que meteu bem a cara. Mérito para o primeiro ajuda que o manteve até que o grupo se fechasse.
Ao segundo foi Bruno Casquinha, que à segunda tentativa, cita com galhardia perante o olhar atento do negro, manda e reúne bem fechando-se à córnea com o grupo bem posicionado para aconchegar.
Pedro Castelo foi ao terceiro, brinda ao céu uma pega que viria a consumar à terceira tentativa. Mudados os terrenos e com as ajudas mais carregadas, esteve bem o forcado a mandar e a receber à córnea o exemplar da divisa encarnada e preta.
O quarto toiro da noite estava reservado para Rui Godinho, esteve à altura deste tooiro o forcado. Citou, alegrou-o à voz e recuou para aguentar uma entrada por baixo, com o toiro a levá-lo arrastado, mas teve força de braços e conseguiu manter-se até o grupo a concluir.
O salgado tocou a Ricardo Patusco, um toiro que já vinha fazendo “feios” no capote, deixou-se dominar à segunda tentativa depois de recolocado no sentido da crença natural. Ainda que, com a cara por cima e mau instinto, foi à córnea e com uma excelente primeira ajuda que Patusco o pegou depois de lhe sacar a arrancada e aguentar um forte embate na reunião.
Márcio Francisco fechou praça. Que bem esteve este rapaz no cite, bonito, sentido, discreto e concertado com a atenção do Passanha que viria até ele. Reuniu bem o forcado e fechou-se de pernas e braços para lhe encher a cara, aguentando alguns derrotes com o toiro a fugir do grupo, que acabaria por consolidar esta pega rija.
Forcados, são muitos, são todos e não apenas o que vai à cara, como tal, há que referir outros como o Carlos Silva. Este fabuloso rabejador que cumpre o seu papel com um empenho que não tem explicação, e ainda nos presenteia com magníficos desplantes, como quem nada teme.
Fechou esta corrida, esta cerimónia, esta festa o António Ribeiro Telles com uma volta em ombros acompanhados do seu clã, o cavaleiro que elegeu para esta ocasião uma bonita casaca de veludo azulão adornada com coloridos motivos florais. Parabéns Maestro.
Ana Paula Delgadinho