Foi uma noite memorável a que vivemos com touros de São Torcato e um cartel que não encheu mais de um quarto de casa. Ana Batista mostrou bem o excelente momento que está a passar, Nuno Casquinha apresentou-se com todas as ganas do grande toureiro que é, António João Ferreira teve a sua primeira corrida no ano dos seus dez anos de alternativa e deu-nos um toureio maduro, mesmo com tão poucas corridas, Sónia Matias passou momentos complicados…
Os touros da ganadaria de Joaquim Alves, desta feita, não desiludiram ninguém e o ganadeiro deu volta no quinto da noite, com o maioral.
A lide inicial, a duo, permitiu a ambas cavaleiras abrir a nocturna lisboeta com uma lide interessante, com um touro a levantar muitas dificuldades, em especial a Sónia Matias. A pega deste primeiro hastado foi efectuada à segunda tentativa por Francisco Mascarenhas, do grupo das Caldas da Rainha, que pegou em exclusivo.
As pega seguinte foi feita por António Cunha, que dobrou Francisco Palha, e pegou à segunda. A última pega foi de cernelha, por escolha do grupo, e não foi fácil de executar, uma vez que os cabrestos, hoje em dia, não estão feitos ao touro para que tudo corra pelo melhor, assim, Duarte Palha e José Maria Abreu conseguiram fechar esta pega de cernelha depois de tocar o primeiro aviso.
Seguiu-se a troca de burladeros para a primeira lide a pé e tivemos António João Ferreira num toureio calmo, elegante de precisão, ante um touro colaborante. No seu segundo, mostrou ainda mais valor, sobretudo na flanela rubra.
Nuno Casquinha veio das Américas, onde se radicou, para mostrar aquilo que tem evoluído e teve uma lide de grande poder com o seu primeiro oponente e cresceu para o seu segundo toiro depois de uma voltareta.
Ambos espadas estiveram extraordinários, cada um com a sua marca e esperamos que a empresa do Campo Pequeno reconheça o valor mostrado e lhes volte a abrir portas ainda esta temporada.
No entanto, a noite ficou ofuscada com o anúncio aos microfones da primeira praça do país, de que a cavaleira Sónia Matias tinha uma indisposição e não voltaria a actuar. Ou seja, dos dois touros, um a duo e outro a solo, só lidou o primeiro, ficando Ana Batista com a missão de lidar os dois touros a solo. Missão essa que cumpriu com um valor extraordinário, até pela pressão psicológica, que teria ao fazer estas lides depois de uma discussão, com agressão física, entre o seu apoderado e o de Sónia.
Ana Batista esteve extraordinária e com o seu marcado estilo clássico, cravou excelentes curtos, bregou com alegria e colocou os touros a seu bel prazer. Todos desfrutaram, mas nos bastidores uma discussão iniciou-se logo durante a primeira lide. Os dois apoderados discordaram da análise ao touro que estava em praça na lide a duo. O de Ana Batista quereria outro ferro e o de Sónia não, uma vez que esta cavaleira tinha tido tanta dificuldade com o touro.
As palavras terão sido duras e quando as cavaleiras já estavam no pátio de cavalos, a cena passou das palavras aos músculos e Sónia, entre o calor que se fazia sentir na praça e o choque de ver o seu apoderado e companheiro a ser assistido pelos ferimentos sofridos, sentiu-se mal e não saiu mais à arena.
A realidade é que este tipo de incidentes não é condicente com a dignidade que a tauromaquia representa, mas também é verdade que há sempre mais para se saber do que para dizer, e só quem conheça a situação da relação das personagens envolvidas é que poderia ter noção do que levou àquela escalada dos acontecimentos. O que importa é que a net taurina, essa, foi espectacular.
Silvia Del Quema