Não terá sido uma tarde de touros com chave de ouro, mas dourada sem dúvida. Os touros foram os culpados de não considerar o metal precioso, no entanto, tivemos os toureiros a um grande nível no Festival que abriu as portas dos Campo Pequeno à Festa Brava, em 2016.
A reverter a favor da associação L Vida, criada por membros da família Ribeiro Telles para ajudar as crianças desfavorecidas de Moçambique, este festival de benefeciência não foi tão concorrido pelo público como o de há quatro anos, mas o Campo Pequeno teve cerca de meia casa forte para o primeiro espectáculo taurino deste ano, a acontecer um dia depois da apresentação da temporada de abono da primeira praça do País.
Em praça estiveram, António Ribeiro Telles, Manuel Telles Basto e João Ribeiro Telles júnior, representando a arte Marialva. Como espadas tivemos o Maestro Victor Mendes, Juan Serrano ‘Finito de Córdoba’, Juan Del Álamo e Diogo Peseiro, novilheiro praticante. Nas pegas estiveram os grupos de forcados de Santarém, Montemor-o-Novo e Vila Franca de Xira.
As lides as cavalo tiveram um bom ritmo, tendo sido de destacar a emoção que o jovem João conseguiu trazer à praça com o seu toureio animado e sempre correcto; estando no mesmo nível de apresentação o seu primo, Manuel, que teve um touro a corresponder menos, mas do qual conseguiu demonstrar o classicismo do toureio da Torrinha. Já o veterano António, teve o pior do lote para lide a cavalo, um Murteira Grave, que se mostrou desinteressado desde o início da lide e que se não estivesse nas mãos da excelência de Ribeiro Telles não teria dado nada à praça.
O primeiro touro, o Murteira Grave, deu luta para a pega, à primeira tentativa do grupo de Santarém, que enviou à cara do touro David Inácio, a muita pata com que o oponente saiu não permitiu que se fechasse na cara. Na segunda, o forcado chegou a fechar-se mas a velocidade que o touro, que fora preguiçoso como o cavalo, se lançou e o atraso nas ajudas não permitiram que consumasse a pega. Já no terceiro intento, David Inácio foi projectado no ar – sem consequências – a par dos primeiro e segunda ajudas. Só à quarta ida ao touro é que o grupo se conseguiu fechar todo, já em cima do touro logo à partida, consumando uma pega dura.
O Canas Vigoroux que coube em sorte a Manuel Telles Basto, numa lide cuja qualidade da cravagem foi constante, deu ao grupo de Montemor, indo à cara Luís Valério, uma pega consumada ao primeiro intento, apesar de, após se encaixar na cara do touro o forcado ter sido retirado e a par da sua força de braços à volta da barbela ter sido o movimento do próprio touro que o recolocou na cara e concretizou a pega.
O João Ribeiro Telles lidou o touro de sua casa, um David Ribeiro Telles, bem apresentado e concentrado na função apesar de levantar dificuldade na ligação entre cavaleiro e touro, que na pega permitiu a Vasco Pereira, do grupo de Vila Franca de Xira, ter uma pega limpa, sem que o touro tenha feito mal nenhum.
Do meu ponto de vista, a tarde pertenceu realmente a Finito de Córdoba, sendo que detalhes da lide de Victor Mendes deixaram-me mais preenchida como aficionada.
Antes de Finito, toureou o Maestro Victor Mendes, que mostrou bem que quem sabe, sabe. O seu Calejo Pires não humilhava e tinha mau tipo, sempre de cabeça no ar, se não estivesse nas mãos sabedoras e experientes de Victor nada seria arrancado ao touro, assim, tivemos momentos interessantes nos molinetes e pelo píton direito.
Juan Serrano ‘Finito de Córdoba’, entregou-se de corpo e alma à faena no Campo Pequeno, dando-nos muletazos lentos, calmos, quase arrastados. O touro ajudou-o muito e esse é o grande segredo de uma boa lide a pé: encontrar o toureiro com o touro certo e o de Paulo Caetano foi-o certamente, tanto que João Moura Caetano foi chamado à arena no fim da volta do toureiro espanhol, em representação da ganadaria.
O jovem Juan Del Álamo, calhou outro Calejo Pires que servia um pouco mais que o de Victor Mendes, mas pouco mais… Não fora a pura teimosia artística do toureiro e o touro, fraco de mãos, não se teria sequer empregue na muleta. Na realidade foi uma lide cujo mérito esteve na persistência do toureiro e não na faena em si.
Diogo Peseiro, da escola do Campo Pequeno, teve a sorte de lidar o melhor dos Calejo Pires, tendo aproveitado bem o momento para luzir na mais importante praça nacional, o novilheiro esforçou-se e podemos ver o que tem dentro dele em qualquer um dos tércios. No capote vimo-lo a agarrar bem o touro para o ler; bandarilhou com afinco; e na muleta houve a incosistência correspondente ao seu nível de aprendizagem, mas pondo de parte os dois toques que levou do oponente (um muito bem avisado pelo touro), o seu desplante de joelhos, as suas passagens por de trás, e o esforço de conduzir e não ser conduzido bem sucedido, mostram-nos a matéria de que este português é feito para vingar no toureio a pé.
Creio que ninguém deixou o Campo Pequeno a sentir que foi ali apenas para contribuir para uma causa solidária, tendo tido um espectáculo taurino muito agradável.
Sílvia Del Quema