Sei que isto vai fazer com que alguns me odeiem (nada a que não esteja habituada), outros nem por isso. Mas se o que escrevo servir para pôr a pensar uma pessoa que seja, para o bem ou para o para o mal, já serviu o propósito!
Se há assunto que posso falar com autoridade é de “Tauroflamencologia” e a sua disseminação indistinta e indiscriminada pelo nosso Feudo.
Sou arraçada, sou de cá e de lá, com geo- triangulação entre Alentejo, Andaluzia e Extremadura, como o bom e mau que isto carrega. Pois bem vistas as coisas, por vezes nem sou de cá,nem de lá.
Uma coisa que sempre me fez muito feliz, foi o facto de poder ir a outras terras, ás suas festas e ver, ouvir, sentir a sua cultura, tão diferentes das “minhas”. Nem sei muito bem que pense quando em quase por todo o lado se ouvem sevillanas e rumbas e bulerias e mais não sei o quê… e um ataque de flamencura generalizado… ok, é giro, para mim é sempre um gosto, parece que estou em casa! Se faz sentido, nem tanto, e entendo que são modas, é ambiente taurino, mas não temos que ser todos iguais! Nunca me passaria pela cabeça chegar a Sevilla e ouvir um fado sobre toiros e campinos, ou a Jerez e presenciar um fandango do Ribatejo! Já para não falar nas Américas e França, que também partilham esta forma de estar, taurina, e não vão nesta moda.
O perigo da “desaculturação” é enorme, e isto assusta-me, nós que até fazemos uma fezinha na fé e nos ligamos ao movimento cósmico da modernidade sem precisar de pulseira e coaching, não podemos um dia cair na real, e perceber que é tarde demais para voltar ao que acreditamos ser a nossa verdade.
Outro fenómeno, mais urbano diga-se, e disto também sei bem do que falo, convivo muito com eles, é a proliferação de escolas de Flamenco e Sevillanas, e se lhes perguntarem sobre toiros, “ah não, somos completamente contra essa violência blá blá…”. Vão buscar formas antigas de baile, não nosso, e chamam-nos atrasados e pouco e evoluídos. Psiu, rapaziada, não podem gostar de uma coisa e dizer mal da outra! Nem sei bem que pensar sobre estas criaturas.
Pois bem, para todos e especialmente para eles, aqui vai uma lição, e pasmem-se, grátis! Até vos poupo o trabalho de ir chatear o Dr. Google, quanto mais o neurónio:
Tauroflamencologia, intimidade estética entre duas artes universais! Faz referencia á relação entre dois fenómenos culturais, o Flamenco e a Tauromaquia, por varias razões sendo umas das principais, os bailaores, toureiros e cantaores pertencerem ao mesmo entorno social.
É indiscutível a associação estética entre estas artes, e é bidireccional, seja com elementos procedentes da tauromaquia no cante pelas letras e versos alusivos á tauromaquia, valentia de ser toureiro ou até mesmo aos infortúnios desta profissão. Seja no baile, desde a postura do corpo e braços com severas semelhanças á sorte de banderilhas, seja com a execução de sortes do toureio que representam um carácter coreográfico inquestionável! Se têm raízes comuns! Paralelamente, no toureio podem-se encontrar analogías com os tempos de interpretações, por exemplo, o passe natural pode-se comparar com uma soleá , ou as manoletinas á saeta, etc.
Claro, quem ousa duvidar das semelhanças entre o traje de luces ou o corto campero e a vestimenta usada para o baile Flamenco? Já para não falar do vocabulário e linguagem… Desde a poesia, á pintura, passando pela música popular, etc.. Mais, os protagonistas muitas vezes coincidem, por exemplo, Curro Romero foi empresário de um tablao flamenco! Já para não falar da eterna ligação amorosa entre toureiros e artistas do Flamenco, Xavier Conde e Estrella Morente, Ortega Cano e Rocio Jurado, Paquirri e Isabel Pantoja, etc…
Dizem que Juan Belmonte, assíduo e promotor de comentadas festas, cantava com sentimento. Manolete parece que se deliciava ao interpretar estilos cordobeses. Também alguns artistas de Flamenco tourearam, o saudoso Camarón de la Isla por exemplo. E o baile flamenco impregnou com estilo o toureio e os que bailam fazem-no como se toureiros fossem!
Resumindo, são duas artes inseparáveis, com uma íntima relação popular! Já só falta que a Festa de Toiros seja reconhecida como Bem Imaterial da Humanidade, assim como foi o Flamenco, parece-me existirem argumentos mais que suficientes por tanta analogia.
Agora sim, já aprendemos que não se pode dizer que adoramos Flamenco mas odiamos toiros, santa ignorância!!!
Resumindo: o amor pelas nossas terras, raízes, culturas diferentes, aquela cena mágica e inescapável, que nos tira do sério, que nos faz ser muito unidos e sair do nosso pequeno umbigo, é um motor de vida. Se não for o amor, nunca aprenderemos a coragem e a humildade, a grandeza e o infinito e as nossas próprias impossibilidades. O resto são molduras em naperons cheios de pó e uma crónica falta de amor-próprio. O amor e a cultura são as coisas mais incrível de todas, pessoal, temos mesmo de começar a tratá-los melhor .
Porque nem tudo tem de ser “muita’maluco” para ser moderno.
Eu cá gosto de um bom clássico, e uma das minhas culturas, esta, a Portuguesa, é tão, mas tão rica…. Não deitem tudo fora, por favor!