Nem sempre é fácil ser-se isento ao escrever estas reportagens, e esta demorou mais a sair porque quis ter a certeza que aquilo que tinha para dizer da corrida que celebrou os 70 anos da ganadaria Vinhas não era fruto da emoção, mas sim da razão.
Muitas vezes vejo cronistas taurinos a perderem-se na facilidade de dizer que um ou outro touro não servia ou não era ou ideia, para, dessa forma, não terem de dizer que foi o artista que esteve mal ou não entendeu o oponente.
São crónicas, não são relatos exactos, um cronista sente o que escreve e sai-lhe uma história do que viu, um jornalista faz uma reportagem e descreve os factos como os pode confirmar.
O meu treino é o de jornalista, que sou desde os 18 anos. Como tal, esta nocturna do Campo Pequeno foi um teste à minha imparcialidade e isenção. Do qual tirei duas conclusões: a primeira, a de que assisti à melhor corrida da temporada até agora.
A segunda, que vou deixar de escrever reportagens taurinas, pois a minha isenção e imparcialidade estão toldadas pela minha paixão.
Não me estou a despedir das arenas, apenas a anunciar que passarei a escrever apenas artigos de opinião sobre o que se passa nas arenas ou no mundo taurino.
Posto isto, volto à primeira conclusão que tirei do atraso na produção desta minha prosa.
O curro de Vinhas na primeira praça do País esteve brilhante e deu oportunidade aos artistas António Ribeiro Telles, Francisco Palha e António João Ferreira de darem o seu melhor, razão pela qual poderemos ter visto touros melhores noutras corridas, mas não todos numa só.
Aqui, falo primeiro da uniformidade de apresentação e comportamento dos Vinhas, que foi exemplar.
Depois falo da bravura – que é muito ao estilo que aprecio -, uma bravura que não é subtil, mas antes uma presença bruta, acompanhada de nobreza, que é o que permite a lide. E os artistas estiveram à altura, sobretudo no que toca ao toureio a cavalo.
Perante estes dois factores, conjugando a entrega que tanto Telles como Palha tiveram e a dedicação posta pelo Matador, a corrida resultou como a melhor desta atípica temporada.
Quanto às pegas, o grupo de Alter do Chão percebeu na pele que pegas touros encastados requer muito treino e o grupo do Barrete Verde de Alcochete mostrou como as ajudas e o trabalho de equipa compensam fente a touros cheios de ganas de agarrar o forcado.
Palha finalmente quebrou o feitiço que o Campo Pequeno tinha e teve uma actuação de grand nível, como as que tem em todas as outras praças por onde tem passado.
Telles mostrou que continua a ser o actual número um do toureio nacional. António joão triunfou com o seu primeiro touro e não se entendeu tão bem com o segundo, mas em ambos deu-nos bons momentos típicos do seu toureio.
Desmistificou-se a ideia de que o encaste de Santa Coloma é difícil, é antes um encaste que obriga à entrega de quem os toureia. E é isso que o público pretende.
Apesar de nesta nocturna lisboeta ter faltado gente nos tendidos, quem estava viu isso ou não entende nada de touros, o que no Campo Pequeno não se deseja que acconteça.
Foi uma grande noite de touros e uma grande noite para os toureiros e uma excelente noite para quem esteve a viver a corrida.
Sílvia Del Quema